A responsabilidade pelo IPTU na alienação fiduciária: recente decisão do STJ e seus reflexos práticos


Autor: Beatriz Canabarro Torres / Data: 3 de abril de 2025

A alienação fiduciária em garantia é um instrumento amplamente utilizado no mercado financeiro, especialmente em operações de crédito imobiliário. Recentemente, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.158), pacificou uma questão relevante sobre a responsabilidade pelo pagamento do IPTU nesses casos, estabelecendo que o devedor fiduciante permanece obrigado ao tributo até que o banco credor seja efetivamente imitido na posse do imóvel.


Esse entendimento traz implicações significativas para os devedores, os credores e até os cartórios de registro de imóveis, reforçando a necessidade de atenção às obrigações tributárias mesmo durante processos de execução. O fundamento central da decisão repousa na natureza real do IPTU, que, conforme o artigo 156, inciso I, da Constituição Federal, incide sobre a propriedade ou posse do bem imóvel. Assim, mesmo que o bem esteja vinculado ao credor como garantia, a propriedade plena só é consolidada após a imissão na posse.


O artigo 34 do Código Tributário Nacional define como sujeito passivo do IPTU o proprietário, o titular do domínio útil ou o possuidor do imóvel com “ânimo de dono”. O STJ, por sua vez, reforçou que o credor fiduciário não se enquadra nessas hipóteses antes da consolidação da propriedade e da sua imissão na posse, pois detém apenas uma propriedade resolúvel e indireta, sem intenção de ser efetivamente o dono do imóvel.


Ademais, a Lei 9.514/1997, no artigo 27, § 8º, já atribuía expressamente ao devedor fiduciante a obrigação de arcar com encargos como o IPTU. Essa responsabilidade foi reforçada pela Lei 14.620/2023, que consolidou a obrigação do devedor até que ocorra a efetiva imissão de posse pelo credor fiduciário.


Um exemplo prático da aplicação desse entendimento ocorreu no caso julgado pelo STJ envolvendo o Município de São Paulo e um banco credor fiduciário. A prefeitura buscava cobrar IPTU da instituição financeira sobre um imóvel que estava em alienação fiduciária. Contudo, o tribunal estadual reconheceu a ilegitimidade passiva do banco, entendimento que foi mantido pelo STJ. O relator do caso, ministro Teodoro Silva Santos, enfatizou que o credor fiduciário detém apenas uma propriedade resolúvel para fins de garantia e não possui a posse direta nem o “animus domini”, não podendo ser responsabilizado pelo tributo.


Para os cartórios de registro de imóveis, a decisão reforça a importância de manter os registros atualizados e emitir certidões que reflitam corretamente a situação tributária do bem. Como o devedor fiduciante segue sendo o responsável pelo IPTU até a efetiva transferência de posse, os cartórios devem orientar os envolvidos sobre essa obrigação, evitando inconsistências que possam gerar problemas futuros. Além disso, a discussão recente sobre a dispensa de certidões negativas de débitos fiscais em alguns registros imobiliários pode exigir revisões, uma vez que a quitação do IPTU pelo devedor permanece essencial para a regularização do bem.


Para os bancos e instituições financeiras, o entendimento do STJ impõe um dever de diligência no acompanhamento do pagamento do IPTU pelo devedor fiduciante. Caso o tributo não seja quitado, o imóvel pode ser inscrito em dívida ativa, o que pode dificultar ou até mesmo impedir sua alienação em caso de execução. Por outro lado, os devedores devem estar cientes de que a inadimplência do IPTU pode acarretar bloqueios e outras medidas coercitivas, mesmo que o imóvel já esteja em processo de recuperação pelo credor.


A decisão do STJ, ao uniformizar o entendimento sobre o tema, contribui para a redução de litígios e aumenta a previsibilidade nas operações de crédito com garantia fiduciária. No entanto, sua efetividade depende de uma articulação eficiente entre o Poder Judiciário, os cartórios e os fiscos municipais. A modernização dos sistemas de registro e a integração de bancos de dados podem facilitar a verificação de débitos e agilizar os procedimentos, evitando surpresas para credores e devedores.


Em suma, o julgamento do STJ representa um avanço na consolidação de uma jurisprudência clara sobre a responsabilidade tributária na alienação fiduciária. Ao mesmo tempo, reforça o papel dos cartórios como agentes essenciais na garantia da segurança jurídica e na correta publicidade dos atos registrais. Para que a decisão produza seus efeitos de maneira plena, é fundamental que todos os envolvidos – devedores, credores e serventuários da justiça – estejam alinhados com as novas diretrizes, assegurando assim maior estabilidade ao mercado imobiliário e financeiro.

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